segunda-feira, 4 de março de 2019

Avizinhar-se do silêncio






Creio que é absolutamente urgente revisitarmos com outro apreço os territórios dos nossos silêncios e fazermos deles lugares de troca, de diálogos, de encontros. O silêncio é um instrumento de construção, é uma lente, uma alavanca. As nossas sociedades investem tanto na construção de competências na ordem da palavra (e pensemos como a escolarização está ao serviço da capacitação dos indivíduos em ordem a um funcionamento eficaz com a palavra) e tão pouco nas competências que operam com o silêncio! Somos analfabetos do silêncio e esse é um dos motivos por que não encontramos paz. O silêncio é um traço de união mais frequente do que se imagina, e mais fecundo do que se julga. O silêncio tem tudo para se tornar um saber partilhado sobre o essencial. Mas para isso precisamos de uma iniciação ao silêncio, que é o mesmo que dizer uma iniciação à arte de escutar.
Numa cultura de avalanche como a nossa, a verdadeira escuta só pode configurar-se como uma re-signifícação do silêncio, um recuo crítico perante o frenesim das palavras e das mensagens que a todo o minuto pretendem aprisionar-nos. A arte da escuta é, por isso, um exercício necessário de resistência.

José Tolentino Mendonça, in 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas'